31/10/2024

A Força do Amor de Deus

John H. Groberg
Da Presidência dos Setenta

O que há no amor verdadeiro que toca todo coração? Por que será que a simples frase “eu te amo” evoca uma alegria universal?

Os homens dão várias razões, mas a verdadeira razão é que cada pessoa que vem à Terra é um filho ou uma filha espiritual de Deus. Como todo amor emana de Deus, nascemos com a capacidade e o desejo de amar e ser amados. Um de nossos laços mais fortes com nossa vida pré-mortal são o grande amor que o Pai e Jesus tinham por nós e o grande amor que nós tínhamos por Eles. Apesar de haver um véu encobrindo nossa memória, sempre que sentimos o amor verdadeiro, ele desperta em nós um anseio que não se pode negar.

Corresponder ao amor verdadeiro faz parte de nosso próprio ser. Temos o desejo nato de voltar a sentir aqui o amor que tínhamos lá. E só podemos ser verdadeiramente felizes quando sentimos o amor de Deus.

O amor de Deus preenche a imensidão do espaço: não há escassez de amor no universo. A única coisa escassa é nossa vontade de fazer o necessário para sentir esse amor. Jesus explicou que, para isso, temos de amar “ao Senhor [nosso] Deus de todo o [nosso] coração, e de toda a [nossa] alma, e de todas as [nossas] forças, e de todo o [nosso] entendimento, e ao [nosso] próximo como a [nós mesmos]”. 1

Quanto mais obedientes somos a Deus, maior é nossa vontade de ajudar os outros. Quanto mais ajudamos os outros, mais aumenta nosso amor a Deus, e assim por diante. Quanto mais desobedientes a Deus e mais egoístas formos, menos amor teremos.

Tentar encontrar o amor duradouro sem obedecer a Deus é como tentar matar a sede bebendo em um copo vazio: Podemos levar o copo à boca e engolir, mas a sede não passa. Da mesma forma, tentar encontrar o amor sem ajudar outras pessoas e sacrificar-se por elas é como tentar viver sem comer: é contra as leis da natureza e não dá certo. Não podemos fingir que amamos. O amor deve se tornar uma parte de nós. O profeta Mórmon explicou:

“Mas a caridade é o puro amor de Cristo e permanece para sempre; e para todos os que a possuírem, no último dia tudo estará bem.

Portanto, meus amados irmãos, rogai ao Pai, com toda a energia de vosso coração, que sejais cheios desse amor (…).” 2

Deus está ansioso por ajudar-nos a sentir o Seu amor onde quer que estejamos. Vou dar um exemplo:

Quando eu era um jovem missionário, fui mandado para uma ilhazinha com uns 700 habitantes, em um lugar remoto do Pacífico Sul. Para mim o calor era sufocante, os mosquitos eram terríveis, tinha lama em toda parte, a língua era impossível e a comida… bem… era diferente.


"O Elder e o Homem Rico"
O jovem nesta pintura é o Elder John H. Groberg, agora (2018) do Primeiro Quórum dos Setenta, como um jovem missionário nestas ilhas de 1954 a 1957. A história aqui retratada diz respeito ao iate no horizonte. Seu dono é um estrangeiro rico e mundano que veio para a ilha e se aproveitou da inocência dos nativos. O missionário está tentando consolar um nativo idoso, mas aprende uma grande lição no processo. O missionário começa a dizer: "Desculpa... ” pelo mal que o homem mundano tinha feito às pessoas. Mas o irmão mais velho corta-o, dizendo: “Sim, também eu sinto muito por aquele pobre homem. Quão triste é o seu tipo de pobreza”, implicando que as verdadeiras riquezas das pessoas da ilha não podem ser tiradas, muito menos apreciadas, pelos mundanos.
[Sand and Sea and the Gospel Net: Arte de Clark Kelley Price]


Depois de alguns meses, nossa ilha foi atingida por um furacão violento. A devastação foi total. Plantações ficaram arruinadas, houve mortes, as casas foram levadas pelo vento e o posto do telégrafo (nosso único elo com o mundo exterior) foi destruído. Normalmente, um barquinho do governo ia à ilha com intervalos de um ou dois meses; portanto, racionamos a comida para que durasse quatro ou cinco semanas, na esperança de que o barco chegasse; mas não veio barco nenhum. Fomos enfraquecendo dia a dia. Houve gestos de grande bondade, mas com o passar da sexta e da sétima semana com tão pouca comida, nossa força diminuiu visivelmente. Meu companheiro, Feki, nativo dali, fazia todo o possível para me ajudar, mas no início da oitava semana, eu já não tinha mais forças. Passava o tempo todo sentado à sombra de uma árvore. Eu orei e li as escrituras e passei horas e horas ponderando as coisas da eternidade.

No início da nona semana, aparentemente, quase nada mudou. Contudo houve uma grande mudança interior. Senti o amor do Senhor com mais intensidade do que jamais sentira e aprendi por experiência própria que o amor de Deus é “a mais desejável de todas as coisas (…) e a maior alegria para a alma”. 3

A essa altura eu já era só “pele e osso”. Lembro de prestar atenção com profunda reverência às batidas de meu coração, meus pulmões respirando e pensava no quanto é maravilhoso o corpo que Deus criou para ser a casa de nosso espírito, que é igualmente maravilhoso! A idéia da união permanente dessas duas coisas, que passou a ser possível por causa do amor do Salvador, do sacrifício expiatório e da Ressurreição, passou a ser tão inspiradora e compensadora que todo desconforto físico ficou no esquecimento.

Quando entendemos quem é Deus, quem somos nós, o quanto Ele nos ama e o que Ele planejou para nós, o medo se dissipa. Quando temos o menor vislumbre dessas verdades, nossa preocupação com as coisas do mundo desaparece. Só imaginar que caímos nas mentiras de Satanás que diz que o poder, a fama ou a riqueza são importantes chegaria a ser ridículo… se não fosse tão triste.

Aprendi que assim como os foguetes têm de vencer a força da gravidade para seguir à toda velocidade rumo ao espaço, nós temos que vencer a força do mundo para sermos elevados aos reinos eternos da compreensão e do amor. Percebi que minha vida mortal podia acabar ali, mas não entrei em pânico. Sabia que a vida continuaria, não importava se fosse aqui ou lá. O que mais importava era quanto amor eu tinha no coração. Eu sabia que precisava de mais! Sabia que nossa alegria agora e na eternidade está inseparavelmente ligada à nossa capacidade de amar.

Enquanto esses pensamentos dominavam e elevavam minha alma, aos poucos comecei a perceber umas vozes alvoroçadas. Os olhos de meu companheiro brilhavam e ele disse: “Kolipoki, chegou um barco e ele está cheio de comida. Estamos salvos! Não está contente?” Eu não tinha muita certeza, mas como o barco chegou, essa devia ser a resposta de Deus; portanto, eu fiquei contente sim. Feki deu-me um pouco de comida e disse: “Tome, coma!” Eu hesitei, olhei para a comida; olhei para Feki; olhei para o céu e fechei os olhos.

Sentia algo muito profundo. Fiquei grato porque minha vida aqui prosseguiria como antes, mas havia uma certa tristeza… uma sensação sutil de adiamento, como quando a escuridão toma o lugar das cores vivas de um pôr-do-sol perfeito e percebemos que teremos de esperar outro entardecer para voltar a ver tanta beleza.

Não tive lá muita vontade de abrir os olhos, mas quando abri, percebi que o amor de Deus mudara tudo. O calor, a lama, os mosquitos, o povo, a língua, a comida… tudo isso deixou de ser problema. As pessoas que tentaram prejudicar-me já não eram mais minhas inimigas. Todos eram meus irmãos. Ficar repleto do amor de Deus é a maior de todas as alegrias e vale a pena.

Agradeci a Deus por aquela época excelente e pelas muitas coisas que me lembravam de Seu amor: o Sol, a Lua, as estrelas, a Terra, o nascimento de uma criança, o sorriso de um amigo. Agradeci a Ele pelas escrituras, pelo privilégio de orar e pelo ato de recordação mais maravilhoso de Seu amor: o sacramento.

Aprendi que quando cantamos os hinos sacramentais com sinceridade, as frases como “da corte celestial chegou, com grande amor”, ou “doce, docemente, Ele amou a todos nós” enchem nosso coração de amor e gratidão. 4 Quando escutamos a oração do sacramento com sinceridade, as frases como, por exemplo, “recordá-Lo sempre” “guardar os mandamentos que Ele lhes deu”, “ter sempre consigo o seu Espírito” enchem o nosso coração de um imenso desejo de ser melhores. 5 Depois, quando tomamos o pão e a água, com o coração quebrantado e o espírito contrito, sei que sentimos e até ouvimos estas palavras sublimes: “Eu te amo. Eu te amo”.

Achei que nunca fosse esquecer esses sentimentos, mas a influência do mundo é forte e temos a tendência de escorregar, mas Deus continua a nos amar.

Vários meses depois que recuperei as forças, enfrentamos outra tempestade violenta, só que, dessa vez, no mar. As ondas ficaram tão altas que viraram nosso barquinho e jogaram nós três no mar bravio e revolto. Quando me vi em meio ao mar agitado fiquei surpreso, assustado e um pouco contrariado. “Por que isso aconteceu?” pensei. “Sou missionário… onde está minha proteção? Os missionários não devem nadar.”

Mas eu tinha de nadar se quisesse sobreviver. Sempre que eu reclamava, afundava, então não demorou muito para eu parar de reclamar. As coisas são o que são e não adianta reclamar. Precisei de todas as minhas forças para ficar com a cabeça fora d’água e chegar à praia. Como eu alcancei o grau máximo do escotismo, nadava muito bem, mas com o tempo, o vento e as ondas começaram a minar minhas forças. Não parei de me esforçar em momento algum, mas chegou um ponto em que meus músculos simplesmente não me obedeciam mais.

Eu tinha uma oração no coração, mas mesmo assim comecei a afundar. Enquanto eu afundava, talvez pela última vez, o Senhor colocou na minha mente e no meu coração um amor profundo a uma pessoa muito especial. Era como se eu a visse e ouvisse. Apesar de ela estar a uns 13 mil quilômetros de distância, a força desse amor transpôs essa distância, venceu o tempo e o espaço e alcançou-me e tirou-me das profundezas escuras, do desespero e da morte e levou-me para a luz, vida e esperança. Com um repente de energia, consegui chegar à praia, onde estavam meus companheiros do barco. Nunca subestimem a força do amor verdadeiro; pois para ele não existem barreiras.

Quando estamos repletos do amor de Deus, conseguimos fazer, ver e compreender coisas que de outra forma não veríamos nem compreenderíamos. Quando estamos repletos do amor Dele somos capazes de suportar a dor, superar o medo, perdoar sem reservas, evitar as desavenças, recobrar as forças e abençoar e ajudar as outras pessoas de um modo que surpreenderá até a nós mesmos.

Jesus Cristo ficou repleto de um amor imensurável ao suportar por nós uma dor, crueldade e injustiça incompreensíveis. Devido a Seu amor por nós, Ele Se colocou acima de barreiras que seriam de outra forma intransponíveis. O amor Dele não tem barreiras. Ele nos convida a segui-Lo e a participar de Seu amor sem limites, para que nós também consigamos nos colocar acima da dor, da crueldade e da injustiça deste mundo e ajudar, perdoar e abençoar.

Eu sei que Ele vive, sei que Ele nos ama. Sei que podemos sentir o amor Dele aqui e agora. Sei que Sua voz é de perfeita suavidade; que penetra o âmago de nosso ser. Sei que Ele sorri e Se enche de compaixão e amor; sei que Ele é cheio de bondade, misericórdia e vontade de ajudar. Eu O amo de todo o coração. Presto testemunho de que quando estamos prontos, o puro amor Dele transpõe imediatamente o tempo e o espaço, nos alcança e tira das profundezas de qualquer mar agitado e escuro, de pecado, tristeza, morte ou desespero em que nos encontremos e leva-nos para a luz, a vida e o amor da eternidade. Em nome de Jesus Cristo. Amém.


Notas:

1. (Lucas 10:27)

2. (Morôni 7:47–48)

3. (1 Néfi 11:22–23)

4. (Ver “Da Corte Celestial”, Hinos nº 114; “No Monte do Calvário”, Hinos nº 113.)

5. (Ver D&C 20:77, 79.)

 


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