09/11/2020

"Pois Há Muitos Dons”

Élder Marvin J. Ashton 

do Quórum dos Doze Apóstolos

A Liahona Janeiro 1988 


“Ao desenvolver e compartilharmos os dons recebidos de Deus, e nos beneficiarmos dos dons daqueles que nos cercam, ...a obra de Deus progredirá mais rapidamente. ”  Uma das grandes tragédias da vida, parece-me, é quando a pessoa se considera sem nenhum talento ou dom. Quando, desgostosos ou desanimados, nos permitimos chegar a níveis depressivos de desespero por causa de tal auto- -avaliação negativa, é um dia triste para nós e um dia triste aos olhos de Deus. Concluir que não temos nenhum dom, quando nos julgamos segundo nossa estatura, inteligência, desempenho, riqueza, poder, posição ou aparência, é não só injusto como irracional.

Em Doutrina e Convênios 46:11-12, encontramos esta verdade: “ Pois nem a todos são dados todos os dons; pois há muitos dons, e a cada homem é dado um dom pelo Espírito de Deus. 

A alguns é dado um, a outros é dado outro, para que todos sejam assim beneficiados.” 

Deus conferiu a cada um de nós um ou mais talentos especiais. Sócrates fez esta conhecida declaração: “ A vida não examinada não vale a pena ser vivida.” (“ Apology” , The Dialogues o f Plato, trad. Benjamin Jowett, Chicago: Encyclopedia Britannica, 1952, p. 210.) A cada um de nós cabe procurar e edificar sobre os dons que Deus nos deu. É preciso não esquecer que somos feitos à imagem de Deus, que não existem pessoas sem importância. Todos importam a Deus e a seus semelhantes. 

No Livro de Mórmon, particularmente em 3 Néfi, capítulos onze a vinte e seis, quando o Salvador Jesus Cristo se mostrou ao povo no continente americano, numerosos dons são mencionados como muito reais e sumamente úteis. Tomados ao acaso, citarei alguns que nem sempre são evidentes ou notados, não obstante serem muito importantes. Entre estes, poderão estar os vossos dons — dons não muito visíveis mas, mesmo assim, reais e valiosos. 

Examinemos alguns desses dons menos conspícuos: o dom de pedir; o dom de ouvir; o dom de escutar e acatar a voz suave e mansa; o dom de chorar; o dom de evitar contendas; o dom de ser agradável; o dom de evitar vãs repetições; o dom de buscar o que é reto; o dom de não julgar; o dom de buscar a orientação de Deus; o dom de ser discípulo; o dom de se importar com o próximo; o dom da ponderação; o dom de orar; o dom de prestar um testemunho poderoso; e o dom de receber o Espírito Santo. 

Temos de lembrar-nos de que a todo homem é dado um dom pelo Espírito de Deus. É nosso direito e responsabilidade aceitar nossos dons e compartilhá-los. Os dons e poderes de Deus são acessíveis a todos nós. 

O tempo só me permitirá ressaltar uns poucos desses dons dados por Deus. 

1. O Dom da Ponderação 

Ao estudar as escrituras, sinto-me desafiado e movido pelo termo ponderar, usado tão frequentemente no Livro de Mórmon. Os dicionários definem ponderar como pesar mentalmente, refletir profundamente a respeito, deliberar, meditar. 

Quando veio ensinar os nefitas, Jesus Cristo disse: “ Por conseguinte, ide para vossas casas, ponderai estas coisas por mim faladas e pedi ao Pai, em meu nome, que vo-las faça entender; preparai vosso entendimento para amanhã, e eu virei novamente.” (3 Néfi 17:3.) 

"Portanto, ide para vossas casas, meditai sobre as coisas que eu disse e pedi ao Pai, em meu nome, que as possais entender; e preparai a mente para amanhã e eu virei a vós outra vez."(3 nefi 17:3 - escritura atualizado)

Morôni usa o mesmo termo ao encerrar esse registro. “ Eis que desejo exortar-vos, quando lerdes estas coisas, ... que vos lembreis da grande misericórdia que tem tido o Senhor para com os filhos dos homens, ... (que as) ponderareis em vossos corações.” (Morôni 10:3.) 

Quando ponderamos, damos ao Espírito oportunidade de incutir e dirigir. Ponderar é um poderoso elo entre coração e intelecto. Lendo as escrituras, comovem-se nosso coração e mente. Se usarmos o dom da ponderação, poderemos tomar essas verdades eternas e compreender como incorporá-las em nosso viver diário. 

Hoje, incentivados pelo Presidente Benson, milhões estão lendo o Livro de Mórmon, alguns pela primeira vez, outros como um hábito regular. Precisamos lembrar-nos de que os frutos desse grande livro são mais proveitosos, quando ponderamos enquanto o lemos. 

Ponderar é um empenho mental progressivo. É um dom grandioso para aqueles que aprenderam a utilizá-lo. Aproveitando o dom da ponderação, encontramos compreensão, discernimento e aplicação prática do que lemos. 

2. O Dom de Buscar a Orientação de Deus 

Quantas vezes já não dissemos a nós mesmos ou ouvimos outros exclamar, em momentos de crise ou problemas: “ Simplesmente não sei a quem recorrer” ? 

Existe um dom disponível a todos nós — basta querer usá-lo: o dom de buscar a orientação de Deus. Eis um meio de obter força, consolo e orientação. 

“ Eis que eu sou a lei e a luz. Voltai a mim vossos olhos, perseverai até o fim e vivereis; porque a todo aquele que perseverar até o fim, dar-lhe-ei a vida eterna.” (3 Néfí 15:9.) 

“ Voltai vossos olhos a Deus e vivereis.” Esta é a maravilhosa promessa feita tantas vezes nas escrituras. 

Voltando nossos olhos a Deus em busca de orientação, o que veremos em seus filhos que poderá ser de proveito? Parece que alguns de nós preferimos o hábito de procurar e apontar as fraquezas de nossos semelhantes. Os dons dos outros, e não suas falhas, tornam possível que todos tiremos proveito. 

Que grande consolo espiritual e bênção é saber que, se voltarmos os olhos ao nosso Salvador Jesus Cristo e perseverarmos até o fim, poderemos alcançar a vida eterna e exaltação. Nossa capacidade de ver e compreender só aumenta na proporção da nossa disposição de olhar. Ao voltarmos nossos olhos a Deus, ele se torna mais acessível. Olhar para Deus nos ensina a servir e viver sem compulsão. O fato de ser líder na Igreja não deverá jamais diminuir nosso tempo de “ olhar para Deus” . 

3. O Dom de Escutar e Acatar a Voz Suave e Mansa 

Vozes celestiais suaves e mansas penetram o coração com declarações meigas, convincentes: 

“ E aconteceu que, ao se acharem assim conversando uns com os outros, ouviram uma voz que parecia vir do céu; e puseram-se a olhar por todas as partes, não compreendendo o que dizia aquela voz, a qual não era áspera nem forte; entretanto, apesar de ser uma voz suave, penetrava até o âmago daqueles que a ouviam, de tal modo que fazia tremer todas as partes do corpo; sim, penetrou até o mais profundo da alma e incendiou todos os corações.” (3 Néfi 11:3.) 

Na maioria das vezes, esperança, incentivo e orientação emanam de uma voz suave, penetrante. 

As vozes suaves são ouvidas só por aqueles dispostos a escutar. A comunicação com voz suave e mansa com nossos semelhantes é que torna possível inestimáveis amizades. 

Aprecio as pessoas que não acham necessário levantar a voz para impressionar ou convencer. Parece que a maioria das pessoas que discutem e gritam deixaram de ouvir o que a voz suave é capaz de contribuir poderosamente. 

Nós adoramos ouvir uma vozinha de criança dizer: “ Mãezinha, paizinho, eu amo vocês.” 

Quão poderosa é a voz suave que sabe como e quando dizer: “ Obrigado.” 

Pensai na voz celestial, dizendo a Joseph: “ Este é o meu Filho Amado. Ouve-o.” (Joseph Smith 2:17.)

É alentador e confortador ouvir a voz suave declarar: “ Sossegai e sabei.” (D&C 101:16.) 

Lembrai-vos de que um de nossos grandes dons é a voz suave e mansa do Espírito Santo sussurrando-nos orientações para nossa vida e possibilitando poderosos testemunhos. 

4. O Dom de Acalmar 

Que dom magnífico é o de conseguir acalmar os outros! Somos gratos a Deus por aqueles que são calmos em vez de rixentos. 

“ Pois em verdade, em verdade vos digo que aquele que tem o espírito de discórdia não é meu, mas é do demônio, que é o pai da discórdia e leva a cólera aos corações dos homens, para contenderem uns com os outros.” (3 Néfi 11:29.) 

A discórdia é a arma do adversário; paz, a ferramenta do Salvador. Que maravilhoso tributo prestamos às pessoas, descrevendo-as como gentis, firmes e calmas! 

A contenda impede o progresso. O amor traz progresso eterno. 

Onde houver contenda, não pode haver esforço conjunto em qualquer direção proveitosa. 

“ Cessai de contender uns com os outros; cessai de falar mal uns dos outros.” (D&C 136:23.) 

Contenda e discussão devem ser substituídas por calmo debate, estudo, atenção e negociações. 

O evangelho é um evangelho de harmonia, união e concordância. Deve ser apresentado com amor, como boas- -novas, por pessoas calmas.» 

Precisamos aprender a conversar, escutar juntos, orar juntos, decidir juntos e evitar toda espécie possível de contenda. Temos de aprender a controlar a raiva. Satanás sabe que, havendo contenda, cessa o progresso ordenado. 

Jamais houve para nós, membros de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, outra época em que fosse mais importante nos mantermos firmes em nossas convicções, e nos conduzirmos com calma segurança em qualquer circunstância. Não nos devemos deixar manipular ou irritar por aqueles que sutilmente promovem contendas sobre assuntos correntes. 

“ Eis que esta não é a minha doutrina, ou seja, a de agitar com ira os corações dos homens, uns contra os outros; ao contrário, é preceito de minha doutrina que tais coisas devem cessar.” (3 Néfi 11:30.) 

“ (Deveis) viver em paz uns com os outros.” (Mosiah 2:20.) Os possuidores do dom da calma tornam possível a paz duradoura. 

One by One, by Walter Rane

5. O Dom de Importar-se 

Como devemos ser gratos pelas famílias, amigos e organizações que se importam! Eles tornam a vida mais fácil e significativa. E também colhem recompensas em sua solicitude cristã, quando servem pelos motivos certos. Os líderes de qualquer nível devem interessar-se primordialmente em se preocupar compassivamente com o próximo. 

“ Mas eis que vos digo estas coisas, para que aprendais sabedoria; para que saibais que, quando estais a serviço de vosso próximo, estais somente a serviço de vosso Deus.” (Mosiah 2:17.) 

Nosso Salvador importa-se com todas as suas ovelhas. Como é honroso ser considerado alguém que se importa. Gostaria de contar-vos a história da discreta solicitude de uma pessoa extraordinária, da qual tomei conhecimento nas últimas semanas. 

Recentemente, durante uma reunião comemorativa dos vinte e cinco anos de uma ala no Vale do Lago Salgado, foi prestada uma homenagem ao “ Melhor Escoteiro de Todos os Tempos” . A comemoração especial, realizada no salão cultural, que constou de um jantar além de um bem elaborado programa, atraiu muitas pessoas de volta à ala, por causa do clima de amizade criado nos últimos vinte e cinco anos. 

O mestre de cerimônias apresentou um jovem para prestar essa homenagem especial. Ele era alto e robusto; dirigiu-se ao microfone e disse: — Agora gostaríamos de prestar tributo ao melhor escoteiro que esta ala já teve. 

Imediatamente, nomes e rostos de ex-líderes de escotismo ocorreram aos presentes. Quem seria? A ala tivera muitos excelentes chefes de escoteiros. Como decidiriam os encarregados? 

O jovem alto e simpático mencionou vários nomes de ex-líderes e então disse: — Não, não é nenhum deles, embora todos tenham sido grandes escoteiros. O reconhecimento de “ Melhor Escoteiro de Todos os Tempos” da nossa ala vai para alguém que vem trabalhando na Primária e como líder de escoteiros há quarenta anos. Essa pessoa foi agraciada com uma das maiores distinções no escotismo, e com o mais alto reconhecimento do escotismo na Igreja. — Então, com a voz um pouco insegura, ele disse: — Nosso reconhecimento de “ Melhor Escoteiro de Todos os Tempos” é conferido à Irmã Jennie Verl Keefer. Houve um momento de silêncio no salão, seguido de algumas vozes aprovadoras, e depois explodiram os aplausos que pareciam não mais parar. 

A Irmã Keefer foi chamada à frente. Todos os presentes ficaram observando atentos, enquanto esse grisalho feixe de energia andava meio hesitante, com sua baixa estatura mal sobressaindo entre os que estavam sentados. Chegando ao microfone, a surpresa homenageada externou um calmo e emocionado, porém firme, agradecimento. Entre lágrimas de gratidão, comentou que não eram bem quarenta anos que vinha servindo, apenas trinta e sete. E em seguida, acrescentou que, durante todo esse tempo, nunca teve um menino mal comportado. 

Então o jovem apresentador pediu a todos os ex-pupilos da Irmã Keefer que viessem ao palco. E eis o assombro. Homens e rapazes aproximaram-se e encheram o espaço atrás da pequena senhora. Homens avantajados, homens de terno e gravata, médicos, bispos, presidentes de empresa, maridos, pais carregando bebês, ex-missionários, empreiteiros, técnicos de computador, dentistas, carpinteiros etc. Todos esses escoteiros haviam sido tocados pelo serviço e solicitude dessa grande e nobre mulher — a melhor escoteira de toda a história da ala. Ela possuía o dom de se importar, e eis ali alguns frutos de seu trabalho. Gerações vindouras ainda hão de abençoá-la pelo que fez. Que grande dom o daqueles que sabem ser solícitos! 

“ E a cada homem é dado um dom.” (D&C 46:11.) Isto é verdade. Que Deus nos ajude a reconhecer, desenvolver e compartilhar nossos dons com todos os que possam tirar proveito deles, é minha sincera esperança e desejo. 

Deus vive. Ele nos abençoa com dons. Ao desenvolver e compartilharmos os dons recebidos de Deus e nos beneficiarmos dos dons daqueles que nos cercam, o mundo pode tornar-se um lugar melhor, e a obra de Deus progredirá mais rapidamente. Destas verdades eu testifico e presto testemunho pessoal em nome de Jesus Cristo. Amém. 




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