Neal A. Maxwell
Quórum dos doze apóstolos
Conferência de Outubro de 1995
A entrega de nossa vontade a Deus é, realmente, a única coisa pessoal e ímpar que temos para depositar no altar de Deus.
Sempre que os membros da Igreja falarem de consagração, deverão fazê-lo de maneira reverente, reconhecendo que cada um de nós está “[destituído] ( … ) da glória de Deus”, alguns de nós profundamente destituídos. (Romanos 3:23) Mesmo as pessoas conscientes encontram-se nessa situação, mas percebem-no e empenham-se sinceramente para revertê-la.
Como consolo, a graça de Deus flui não somente para os que “[O] amam e guardam todos os [Seus] mandamentos”, mas também “[para aquele] que procura assim fazer”. (Ver D&C 46:9.)
Os membros do segundo grupo são “honrados”, mas não “valentes”. Não estão realmente conscientes da lacuna nem da importância de preenchê-la. (Ver D&C 76:79.) Esses indivíduos “honrados” certamente não são desprezíveis ou iníquos, nem injustos ou infelizes. Não é o que fizeram, mas sim o que deixaram de fazer que os coloca em erro. Por exemplo: Se fossem valentes, poderiam tocar profundamente outras pessoas, em vez de serem simplesmente lembrados por elas de uma forma agradável.
Em um terceiro grupo estão aqueles flagrantemente enredados nas “corrupções” do mundo, lembrando a todos nós que, como escreveu Pedro, “de quem alguém é vencido, do tal faz-se também servo”. (II Pedro 2:19)
Se alguém viver “segundo a carne” (Romanos 8:5) não poderá ter “a mente de Cristo” (I Coríntios 2:16), pois seu modo de pensar “está longe” de Jesus, como também estão os “pensamentos e desígnios de seu coração”. (Mosias 5:13) Ironicamente, se O Mestre for um estranho para nós, acabaremos simplesmente servindo a outros mestres. A soberania desses outros mestres é real, ainda que seja às vezes sutil, pois eles exigem que se siga o seu ritmo. Na verdade, todos “somos os soldados” (Hinos, 1990, nº 160), ainda que lutemos nas fileiras dos indiferentes.
Se não estivermos dispostos a nos deixar guiar pelo Senhor, seremos dirigidos por nossos apetites ou nos preocuparemos muito com as coisas menos importantes do cotidiano. ⌦O tratamento é encontrado no ⌦maravilhoso lamento do Rei Benjamim: “Pois como conhece um homem o mestre a quem não serviu e que lhe é estranho e que está longe dos pensamentos e desígnios de seu coração?” (Mosias 5:13) Muitas pessoas de hoje, é triste reconhecer, responderiam à pergunta “O que pensais a respeito de Cristo?” (Mateus 22:42) dizendo: “Na verdade, nem mesmo penso Nele.”
Consideremos três exemplos de como pessoas honradas da igreja deixam de fazer alguma parte, evitando, assim, uma consagração maior. (Ver Atos 5:1–4.)
Uma irmã presta serviços cívicos elogiáveis e merece a boa imagem que tem na comunidade. No entanto, permanece um tanto afastada dos santos templos de Jesus e de Suas santas escrituras, dois aspectos vitais do discípulado. Mas ela poderia ter a imagem de Cristo em seu semblante. (Ver Alma 5:14.)
Um pai honrado, que cuida zelosamente da família, não é o que se poderia chamar de bondoso e gentil para com seus familiares. Embora, em termos comparativos, ele esteja distante da bondade e brandura de Jesus, qualidades que devemos imitar, um pouco mais de esforço por parte desse pai poderia fazer uma enorme diferença.
Consideremos o missionário recém-chegado da missão, cujas aptidões foram desenvolvidas enquanto servia honrosamente, procurando obter sucesso profissional. Nesse afã, acaba por acomodar-se de certa forma ao mundo. Assim, ele deixa de buscar primeiramente o reino para cuidar de si mesmo. Uma pequena correção de curso agora faria uma grande diferença em seu destino final.
As deficiências ilustradas são de omissão. Uma vez que os pecados telestes sejam abandonados e, daí em diante, evitados, devemos concentrar-nos ainda mais nos pecados da omissão. Essas omissões significam uma falta de qualifição plena para o mundo celestial. Só uma consagração maior pode corrigir essas omissões, que têm conseqüências tão reais quanto os pecados que cometemos. Muitos de nós temos, assim, fé suficiente para evitar cometer os pecados maiores, mas não temos fé suficiente para sacrificar pequenas obsessões pertubadoras ou para concentrar-nos em nossas omissões.
A maioria das omissões ocorre porque não saímos de nós mesmos. Ficamos tão ocupados verificando nossa própria temperatura que não percebemos a febre alta dos outros, ainda que possamos oferecer-lhes alguns dos remédios necessários, como um pouco de encorajamento, bondade e elogio. Os que mais precisam de ajuda ou incentivo são justamente aqueles que estão desanimados demais para pedi-los.
Na verdade, tudo depende—do princípio ao fim—de nossos desejos, que moldam nosso modo de pensar. Os desejos precedem os atos e encontram-se no cerne de nossa alma, fazendo-nos pender para Deus ou para longe Dele. (Ver D&C 4:3.) Deus pode educar nossos desejos. (Joseph F. Smith, Doutrina do Evangelho, São Paulo: Centro Editorial Brasileiro, 1975, ⌦p. 270.) Outras pessoas procuram manipular nossos desejos, mas somos nós quem formamos os “pensamentos e desígnios de [nosso] coração”. (Mosias 5:13)
A regra final é que “te será feito de acordo com teus desejos” (D&C 11:17), “pois eu, o Senhor, julgarei a todos os homens segundo suas obras, segundo os desejos de seus corações.” (D&C 137:9; ver também Alma 41:5; D&C 6:20, 27.) A vontade de um indivíduo só a ele pertence. Deus não o controlará nem o dominará. Portanto é melhor que desejemos as conseqüências do que desejamos.
Outro fato cósmico: somente encontraremos a felicidade plena ao harmonizarmos nossos desejos com os de Deus. Menos do que isso resulta em uma “menor parte”. (Ver Alma 12:11.) O Senhor estará a nosso lado, ainda que, a princípio, “não [tenhamos] mais que o desejo de acreditar”, se estivermos dispostos ⌦a “dar lugar a uma porção de [Suas] palavras.” (Alma 32:27) Deus precisa tão-somente de uma pequena oportunidade! Somos nós, porém, que temos de oferecê-la.
Muitos de nós não atingem uma consagração final por pensar, erroneamente, que ao deixarmos nossa vontade ser absorvida pela vontade de Deus, estamos abrindo mão da individualidade. (Mosias 15:7) O que realmente nos preocupa não é o abandono da individualidade, mas, sim, das coisas egoístas, como os papéis que desempenhamos, nosso tempo, nossa posição e nossos bens materiais. Não é de espantar que o Senhor tenha dito que devemos nos esquecer de nós mesmos. (Ver Lucas 9:24.) Ele só pede que esqueçamos de nosso eu antigo a fim de encontrarmos nosso novo eu. Não é uma questão de perder a identidade, mas de encontrar a verdadeira identidade! Ironicamente, tantas pessoas já se perderam, em seus passatempos e suas preocupações consumistas, mas com coisas de muito menos importância.
Sempre vigilante, tanto no primeiro como no segundo estado, o dedicado Jesus sempre soube para que direção voltar-se. Ele constantemente imitava o Pai: “Na verdade, na verdade vos digo que o Filho por si mesmo não pode fazer coisa alguma, se o não vir fazer o Pai; porque tudo quanto ele faz, o Filho o faz igualmente” (João 5:19), pois “( … ) me submeti à vontade do Pai em todas as coisas desde o princípio.” (3 Néfi 11:11)
Quando a vontade de uma pessoa se submete cada vez mais à vontade de Deus, ela consegue receber inspiração e revelação para ajudá-la a enfrentar as dificuldades da vida. No difícil episódio do sacrifício de Isaque, o fiel Abraão “não duvidou da promessa de Deus por incredulidade”. (Romanos 4:20) John Taylor comentou o seguinte a respeito do episódio: “Nada, exceto o espírito de revelação, poderia ter transmitido a Abraão essa confiança, ( … ) dado a ele forças em tão difíceis circunstâncias.” (John Taylor, Journal of Discourses 14:361.) Será que nós também confiaremos em Deus em meio a dificuldades incompreensíveis para as quais não temos explicações fáceis? Será que compreendemos—realmente compreendemos—que Jesus sabe e entende quando estamos confusos e tensos? A completa consagração que levou ao sacrifício expiatório assegurou a perfeita empatia de Jesus. Ele sentiu as mesmíssimas dores que sentimos, muito antes de nós, e sabe como nos socorrer. (Ver Alma 7:11–12; 2 Néfi 9:21.) Uma vez que o Mais Inocente foi quem mais sofreu, nossos gritos, perguntando “Por que?” não se comparam ao Dele. No entanto, podemos usar a mesma palavra de submissão “todavia ( … )” (Ver Mateus 26:39.)
O progresso rumo à submissão confere-nos outra bênção: uma capacidade maior de alegria. Aconselha o Presidente Brigham Young: “Caso deseje desfrutar imensa alegria, torne-se santo dos últimos dias e viva a doutrina de Jesus Cristo. (Brigham Young, Journal of Discourses, 18:247.)
Assim, irmãos e irmãs, consagração não significa resignação ou ceder sem pensar, mas sim uma expansão deliberada, de dentro para fora, que nos torna mais honestos ao cantar “Mais Vontade Dá-me”. A consagração, de modo semelhante, não consiste em uma aceitação passiva, mas sim em uma aceitação consciente, para melhor suportar o fardo.
A consagração implica prosseguir “com firmeza em Cristo”, com “um perfeito esplendor de esperança e amor a Deus e a todos os homens”, e ao mesmo tempo “banqueteando-vos com a palavra de Cristo”. ⌦(2 Néfi 31:20) Jesus seguiu em frente de maneira sublime. Ele não recuou, percorrendo só 60 porcento do caminho em direção ao sacrifício expiatório total. Ele “[terminou] as preparações” para toda a humanidade, proporcionando uma ressurreição universal—não uma ressurreição em que 40 por cento de nós ficaria de fora. (D&C 19:18,19)
Cada um de nós poderia perguntar: “Em que estou recuando ou deixando de fazer o que devo?” Uma humilde introspecção pode produzir uma corajosa visão. Por exemplo: Muito pode ser dito pelo que nós abandonamos ao longo do caminho do discipulado. E o único caminho onde se permite, e até se estimula, jogar lixo fora. No princípio, o lixo deixado para trás inclui os pecados mais sérios cometidos. Posteriormente, o lixo começa a mudar: passa a ser constituído de pequenas coisas que nos fazem usar inadequada ou insuficientemente nosso tempo e talentos.
No caminho que leva à consagração, desafios difíceis e não ambicionados algumas vezes apressam este “deixar ir” que é necessário para se atingir maior consagração. (Ver Helamã 12:3.) Se tivermos esmorecido, talvez necessitemos de dificuldades. Se estivermos contentes demais, talvez recebamos uma dose de descontentamento divino. A reprovação pode conter uma visão relevante. Um novo chamado tira-nos das cômodas rotinas para as quais já desenvolvemos as aptidões necessárias. Podemos vir a perder o conforto material para que o câncer do materialismo seja também removido. Podemos ser humilhados para que o orgulho se desfaça. De um modo ou de outro, aquilo de que tivermos falta receberá atenção—o que precisamos nos será dado.
John Taylor mencionou que o Senhor pode testar-nos das maneiras mais dolorosas. (John Taylor, Journal of Discourses, 14:360.) Se nosso coração estiver muito fixo nas coisas deste mundo, pode ser necessário torcê-lo ou quebrantá-lo para que nele se opere uma grande mudança. (Ver Alma 5:12.)
A consagração é, portanto, um princípio e um processo e não está ligada a um momento único. Pelo contrário, é dada livremente, gota a gota, até que sua taça se encha totalmente e transborde.
Muito antes disso, porém, como Jesus declarou, devemos decidir por nós mesmos que faremos o que Ele nos pede. (Parafraseado da Tradução de Joseph Smith, Lucas 14:28.) O Presidente Young aconselhou-nos: “Submetei-vos à mão do Senhor, ( … ) e reconhecei Sua mão em todas as coisas,( … ) então estareis exatamente certos; e até chegardes a esse ponto, não podereis estar completamente certos. É aí que temos que chegar.” (Journal of Discourses, 5:352.)
Reconhecer a mão de Deus inclui, portanto, nas palavras do Profeta Joseph Smith, ter confiança de que Ele fez as preparações necessárias para atingir todos os Seus propósitos, incluindo Seus propósitos para nossa vida.(Ensinamentos do Profeta Joseph Smith, p. 214–215.) Algumas vezes, Ele dá ordens claras; outras, parece simplesmente permitir que as coisas aconteçam. Portanto nem sempre compreenderemos o papel da mão de Deus, mas conhecemos Seu coração e mente o suficiente para sermos submissos. Assim, quando estamos perplexos ou esgotados, nem sempre temos à mão uma ajuda explanatória, mas uma ajuda compensatória, sim. Dessa forma, o processo de compreensão cede lugar à submissão pessoal, ao vivermos aqueles momentos em que aprendemos: “[aquietai-vos e sabei] que eu sou Deus”. (Salmos 46:10)
Então, quanto mais nossos desejos forem “absorvidos”, mais nossas aflições, em vez de serem necessariamente removidas, serão “sobrepujada[s] pela alegria em Cristo.” (Alma 31:38)
Há setenta anos, Lord Moulton criou a inteligente expressão “obediência ao que não é compulsório”, descrevendo “a obediência do homem àquilo que ele não pode ser forçado a obedecer.” “Law and Manners”, Atlantic Monthly, julho de 1924, p. 1.) As bênçãos de Deus, incluindo as que estiverem ligadas à consagração, são dadas pela obediência não forçada às leis nas quais se baseiam. (D&C 130:20–21) Assim, nossos desejos mais profundos determinam nosso grau de “obediência ao que não é compulsório”. Deus pretende que nos tornemos mais consagrados, oferecendo tudo. Então, quando a Ele chegarmos, Ele nos dará “tudo que possui”. (Ver D&C 84:38.)
Em conclusão, a entrega de nossa vontade a Deus é, realmente, a única coisa pessoal e ímpar que temos para depositar no altar de Deus. As muitas outras coisas que “damos”, irmãos e irmãs, são, na verdade, as coisas que Ele já nos deu ou emprestou. No entanto, quando finalmente nos submetermos, deixando nossos desejos individuais serem absorvidos pela vontade de Deus, estaremos então realmente dando algo a Ele! É a única coisa que possuímos e que podemos, verdadeiramente, ofertar!
A consagração constitui, pois, a única entrega incondicional, que é também uma vitória total!
Que desejemos, profundamente, essa vitória, oro em nome de Jesus Cristo. Amém.