Presidente Marion G. Romney (1897–1988)
Marion G. Romney foi ordenado Apóstolo em 11 de outubro de 1951. Serviu como Segundo Conselheiro do Presidente Harold B. Lee e do Presidente Spencer W. Kimball e, mais tarde, como Primeiro Conselheiro do Presidente Kimball. Depois da morte do Presidente Kimball, o Presidente Romney reassumiu sua posição no Quórum dos Doze Apóstolos e tornou-se Presidente do Quórum em 10 de novembro de 1985. Faleceu em 20 de maio de 1988, aos 90 anos de idade. O Presidente Romney servia como Segundo Conselheiro na Primeira Presidência quando proferiu este discurso, durante a conferência geral de outubro de 1982. Esta edição do discurso foi publicada pela primeira vez em 1984.
Amo as verdades simples do evangelho como foram ensinadas por todos os santos profetas e nunca me canso de falar a respeito delas. Desde o princípio dos tempos, o homem vem sendo aconselhado a ganhar seu sustento e a tornar-se auto-suficiente. É fácil entender a razão de o Senhor dar tamanha ênfase a esse princípio, quando percebemos sua íntima ligação com a liberdade.
A esse respeito, o Élder Albert E. Bowen disse: “A Igreja não se satisfaz com qualquer sistema que deixe pessoas capazes permanentemente dependentes, insistindo, pelo contrário, que a verdadeira função e finalidade da assistência é ajudar as pessoas a ajudar a si próprias e, assim, a ser livres”. 1
Pessoas bem-intencionadas criaram muitos programas destinados a auxiliar os necessitados. Entretanto, muitos deles têm meramente o objetivo de “ajudar as pessoas”, em lugar de “ajudar as pessoas a ajudar-se a si próprias”. Nosso empenho precisa ter sempre a finalidade de tornar auto-suficientes e independentes as pessoas fisicamente capazes.
Gaivotas Simplórias
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Tempos atrás, recortei um artigo da revista Reader’s Digest que dizia o seguinte:
“Na vizinha cidade de St. Augustine, milhares de gaivotas estão morrendo de fome em meio à fartura. A pesca continua boa, mas as gaivotas não sabem mais pescar. Há gerações elas dependeram dos barcos de pesca de camarão, que lhes lançavam os refugos das redes. Agora os barcos se foram. (…)
Os pescadores de camarão criaram um órgão assistencial para as gaivotas. E estas deixaram de preocupar-se em aprender a pescar e tampouco ensinar os filhotes. Em vez disso, indicavam-lhes o caminho das redes de pesca.
Agora, as gaivotas, esses pássaros livres que são quase um símbolo da própria liberdade, estão morrendo de fome porque se deixaram levar pela ilusão de ‘receber algo a troco de nada’! Sacrificaram sua independência a troco de esmolas.
Muitas pessoas são iguais a elas. Não vêem nada de mal em abocanhar deleitáveis migalhas proporcionadas pelas agências de serviços sociais do governo. Mas, o que acontecerá, quando os recursos do governo se exaurirem? E o que acontecerá com os filhos das gerações futuras?
Não sejamos como gaivotas simplórias. Temos de preservar nossos talentos de auto-suficiência, nossa capacidade de criar coisas, nosso senso de economia e nosso genuíno amor à independência.2
O costume de cobiçar e receber benefícios não merecidos arraigou-se de tal forma em nossa sociedade, que até mesmo homens abastados, donos de meios de produção de riquezas, esperam que o governo lhes garanta lucros. As eleições freqüentemente giram em torno daquilo que os candidatos prometem fazer pelos votantes com os fundos do governo. Tal prática, caso seja universalmente aceita e implantada em qualquer sociedade, fará de seus cidadãos escravos.
Não podemos dar-nos ao luxo de viver sob a tutela do governo, mesmo que tenhamos direito legal de fazê-lo. Isso requer um sacrifício muito grande do respeito próprio e da independência política, material e espiritual.
Em certos países, torna-se muito difícil separar os benefícios merecidos dos imerecidos. Todavia, o princípio é o mesmo em toda parte: devemos procurar ser auto-suficientes e não depender dos outros para sustentar-nos.
Os governos não são os únicos culpados. Tememos que muitos pais estejam transformando os filhos em “gaivotas simplórias” com sua permissividade e liberalidade com os recursos familiares. Na verdade, a atuação dos pais, nesse aspecto, pode ser bem mais prejudicial do que qualquer programa do governo.
Bispos e outros líderes do sacerdócio podem tornar-se culpados de transformar membros da ala em “gaivotas simplórias”. Certos membros tornam-se financeira ou emocionalmente dependentes do bispo. Esmola é esmola, venha de onde vier. Toda ação da Igreja e da família deve visar a auto-suficiência de nossos filhos e membros. Nem sempre podemos controlar os programas governamentais, mas temos controle sobre nosso lar e congregação. Se ensinarmos esses princípios e os colocarmos em prática, poderemos minimizar em grande parte os efeitos negativos de eventuais programas governamentais.
Sabemos perfeitamente que algumas pessoas não têm condições de se tornarem auto-suficientes. O Presidente Henry D. Moyle tinha essas pessoas em mente, ao dizer:
“Esse grandioso princípio não nega ao necessitado e ao pobre a devida assistência. Os totalmente incapacitados, os idosos e enfermos são auxiliados com todo o carinho. Mas de toda pessoa fisicamente apta se espera que se empenhe ao máximo para evitar a dependência, se tiver condições de fazê-lo. Espera-se também que encare a adversidade como temporária e combine a fé com a capacidade de trabalhar honestamente. (…)
Cremos que raramente homens de profunda fé, autêntica coragem e firme determinação, com a chama da independência acesa no coração e orgulho por seus feitos não conseguem vencer os obstáculos que encontram pelo caminho.” 3
Auto-Suficiência Espiritual
Gostaria de falar a respeito de uma verdade muito importante: a auto-suficiência não é um fim em si, mas um meio para um fim. É perfeitamente possível uma pessoa ser plenamente independente, embora carente de qualquer outro atributo desejável. A pessoa pode amealhar riquezas e nunca ser obrigada a pedir qualquer auxílio, mas, a menos que essa independência esteja ligada a alguma meta espiritual, isso é capaz de corroer-lhe a alma.
O programa de Bem-Estar da Igreja tem cunho espiritual. Ao iniciá-lo, em 1936, o Presidente David O. McKay fez esta perspicaz observação:
“O desenvolvimento do caráter espiritual deveria ser nossa principal preocupação. A espiritualidade é o supremo atributo da alma, o lado divino do homem, ‘o dom supremo e régio que o torna rei de todas as coisas criadas’. É a consciência da vitória sobre o ego e a comunhão com o infinito. Somente a espiritualidade nos proporciona excelência na vida.
É louvável fornecer roupas aos que não têm o que vestir, complementar a mesa mal suprida, dar trabalho aos que lutam para vencer o desespero provocado pela indolência forçada. Mas no final, as maiores bênçãos decorrentes do programa de Bem-Estar da Igreja são espirituais. Aparentemente, todas as providências são de natureza física: a recuperação de roupas, o enlatamento de frutas e verduras, o armazenamento de mantimentos, a escolha de terras férteis — tudo parece estritamente material. Todos esses atos, porém, são permeados, inspirados e santificados pelo elemento da espiritualidade.” 4
Lemos emDoutrina e Convênios 29:34–35 que não existem mandamentos terrenos: todos os mandamentos são espirituais. Lemos também que o homem é “seu próprio árbitro”. O homem não pode ser seu próprio árbitro, se não for auto-suficiente. Isso mostra que independência e auto-suficiência são pontos essenciais para o progresso espiritual. Sempre que chegarmos a uma situação que ameace nossa independência, veremos que nossa liberdade estará igualmente ameaçada. Sempre que nossa dependência aumentar, veremos imediatamente diminuir nossa liberdade de agir.
Assim, pois, descobrimos que a auto-suficiência é um requisito para a total liberdade de ação. Todavia, aprendemos também que a auto-suficiência não tem nada de espiritual, a menos que saibamos usar corretamente essa liberdade. O que, então, devemos fazer, para crescer espiritualmente depois de alcançar a independência?
A chave de fazer a auto-suficiência tornar-se espiritual está em usar a liberdade para guardar os mandamentos de Deus. As escrituras são bem claras, quando dizem que doar aos necessitados é dever dos que têm.
Ajudar o Próximo
Jacó, falando ao povo de Néfi, disse:
“Pensai em vossos irmãos como em vós mesmos; e sede amáveis para com todos e liberais com vossos bens, para que vossos irmãos sejam ricos como vós.
Mas antes de buscardes riquezas, buscai o reino de Deus.
E depois de haverdes obtido uma esperança em Cristo, conseguireis riquezas, se as procurardes; e procurá-las-eis com o fito de praticar o bem — de vestir os nus e alimentar os famintos e libertar os cativos e confortar os doentes e aflitos” (Jacó 2:17–19).
Em nossa dispensação, quando a Igreja tinha apenas dez meses, o Senhor disse:
“Se me amares, servir-me-ás e guardarás todos os meus mandamentos.
E eis que te lembrarás dos pobres e consagrarás de tuas propriedades, para sustento deles” (D&C 42:29–30).
No mesmo mês, o Senhor voltou a mencionar o assunto. Evidentemente, os membros estavam sendo um pouco omissos, não se empenhando tanto como deviam.
“Eis que vos digo que deveis visitar os pobres e os necessitados e ministrar-lhes auxílio” (D&C 44:6).
Sempre me pareceu paradoxal que o Senhor tenha de mandar-nos fazer as coisas que são para nosso próprio bem. O Senhor disse: “Quem achar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a sua vida, por amor de mim, achá-la-á” (Mateus 10:39). Perdemos a vida servindo ao próximo, e assim sentimos a verdadeira e eterna felicidade. Servir não é algo que temos de suportar na Terra para adquirir o direito de viver no reino celestial. Servir é a própria fibra de que é feita a vida exaltada no reino celestial.
Glorioso será o dia em que essas coisas acontecerem naturalmente devido à pureza de nosso coração. Nesse dia, não mais haverá necessidade de mandamento, porque saberemos por experiência própria que só somos realmente felizes quando nos empenhamos em serviço abnegado.
Será que percebemos a importância crítica da auto-suficiência, quando vista como requisito para o serviço ao próximo, sabendo ainda que servir é a essência da divindade? Sem auto-suficiência, não podemos exercer nosso inato desejo de servir. Como é possível doar, se não temos nada? O alimento para o faminto não se tira de prateleiras vazias. Dinheiro para ajudar o necessitado não pode sair de um bolso vazio. Apoio e compreensão não podem vir do emocionalmente carente. O ignorante não pode ensinar. E mais importante que tudo, o espiritualmente fraco não pode dar orientação espiritual.
Existe uma interdependência entre os que têm e os que não têm. O processo de doar exalta o pobre e torna o rico humilde. Nesse processo, ambos são santificados. O pobre, liberto da servidão e das limitações da pobreza, como homem livre, está em condições de atingir seu pleno potencial, tanto material como espiritual. O rico, ao partilhar aquilo que lhe sobra, participa do eterno princípio de doar. Depois que a pessoa se torna auto-suficiente, passa a ajudar os outros, e assim o ciclo se perpetua.
Todos somos auto-suficientes sob certos aspectos e dependentes sob outros. Por isso, cada um de nós deve empenhar-se em ajudar os outros nos aspectos em que é mais forte. Paralelamente, o orgulho não deve impedir-nos de aceitar a mão prestativa quando temos real necessidade. Recusá-la seria negar à outra pessoa a oportunidade de uma experiência edificante.
Uma das três áreas salientadas na missão da Igreja é a de aperfeiçoar os santos, justamente o objetivo do programa de Bem-Estar. Não se trata de um programa específico para o ocaso dos tempos, mas sim, para nossa vida aqui e agora, pois hoje é o tempo de a aperfeiçoarmos. Continuemos a ser fiéis a essas verdades.
O homem não pode ser seu próprio árbitro, se não for auto-suficiente. Isso mostra que independência e auto-suficiência são pontos essenciais para o progresso espiritual.
Toda ação da Igreja e da família deve visar a auto-suficiência de nossos filhos e membros.
Todos somos auto-suficientes sob certos aspectos e dependentes sob outros. Por isso, cada um de nós deve empenhar-se em ajudar os outros nos aspectos em que é mais forte.
Notas
- Albert E. Bowen, Plano de Bem-Estar da Igreja (curso de estudos de Doutrina do Evangelho, 1946), p. 77.
- “Fable of the Gullible Gull” Reader’s Digest, outubro de 1950, p. 32.
- Henry D. Moyle, Conference Report, abril de 1948, p. 5.
- David O. McKay, Conference Report, outubro de 1936, p. 103.