01/10/2019

Crocodilos Espirituais

Élder Boyd K. Packer
do Conselho dos Doze

Perigos espreitam por toda a parte na vida dos jovens - mas existem guias para advertir e ajudá-los.

Falo, hoje, à juventude da Igreja, ao Sacerdócio Aarônico e moças, e a estes maravilhosos jovens do nosso coro. A fim de ensinar-vos uma lição não muito fácil de se aprender, vou contar-vos uma experiencia.

Sempre tive grande interesse por animais e aves; quando ainda garotinho e as outras crianças queriam brincar de "cowboy", eu queria fazer um safári na África e fingir estar caçando animais selvagens.

Quando aprendi a ler, procurei livros que falavam de pássaros e animais, e cheguei a aprender bastante a respeito deles. A o chegar à adolescência, eu conseguia identificar a maioria dos animais africanos, diferenciando o orangotango de um impala, ou o órix de um gnu.

Sempre desejei visitar a África para ver os animais, e finalmente, surgiu a oportunidade. A Irmã Packer e eu recebemos a designação de percorrer a Missão da África do Sul em companhia do Presidente Howard Badger e sua esposa. Foi um programa bastante cansativo - em sete dias, dedicam as oito capelas espalhadas pelo enorme continente.

O Presidente Badger mostrava-se um tanto vago a respeito do programa para o dia 10 de setembro, que acontece ser meu aniversário. Estávamos na Rodésia, planejando, pensava eu, voltar para Johannesburg, na África do Sul. Mas ele tinha outros planos e acabam os desembarcando na Catarata de Vitória.

- Não muito longe daqui existe uma reserva de caça, - explicou-me. - Aluguei um carro, e amanhã, seu aniversário, vamos passar o dia observando animais selvagens africanos.

Gostaria de dizer que esses parques africanos são diferentes. As pessoas é que ficam enjauladas, e os animais, em liberdade. Isto é, existem alojamentos especiais onde os visitantes pernoitam, protegidos por altas cercas; depois de clarear o dia, podem percorrer o território de carro, mas sem sair deste.

Chegamos ao parque ao entardecer. Devido a algum engano, não havia acomodações suficientes para todos os visitantes, e quando chegamos, não havia mais nenhum a cabana disponível. O guarda-florestal chefe informou-nos de que tinham uma cabana isolada a uns treze quilômetros dali, onde poderíamos passar a noite.

Devido à demora com o jantar, saímos do alojamento muito depois do anoitecer. Encontramos a encruzilhada, e logo depois de percorrer curta distância do caminho estreito, o motor enguiçou. Achamos uma lanterna e saltei para ver se não era um fio solto ou coisa parecida.

Quando o facho de luz atingiu o chão poeirento, a primeira coisa que vi foram pegadas de leão!

De volta dentro do carro, decidimos passar a noite ali mesmo! Felizmente, uma ou duas horas mais tarde, fomos socorridos pelo motorista de um caminhão de combustível que saíra do alojamento tarde por causa de um problema. Acordamos o chefe e, no devido tempo, estávamos instalados em nossa cabana. Pela manhã, trouxeram-nos de volta ao alojamento.

Estávamos sem carro, e sem telefone, não havendo meio de conseguir condução até o fim do dia. Enfrentamos o desapontamento de ficar ali o dia inteiro. Nosso único dia no parque estava estragado, e para mim, se fora o sonho de uma vida inteira.
Conversando com um jovem guarda florestal, ele ficou surpreso pelo fato de eu conhecer tão grande número de pássaros africanos. Então ele se prontificou a nos ajudar.

- Estamos construindo um novo abrigo de observação acima de uma cacimba, a uns trinta e cinco quilômetros do alojamento. Não está pronto ainda, mas é bem seguro. Eu os levarei até lá com um lanche, e hoje à tarde, quando seu carro chegar, mandarei buscá-los. Assim poderão observar tantos animais ou mesmo mais do que andando de carro por aí.
Por Bernard Gagnon - Obra do próprio, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=30462021
A caminho do abrigo de observação, ele se ofereceu para nos mostrar alguns leões. Saiu da estrada, e não muito depois, localizou um grupo de dezessete leões, todos estirados em pleno sono, e dirigiu-se diretamente até eles.

Paramos perto de um aguadouro, a fim de observar os animais que vinham ali matar a sede. Era época de seca e pouca água; na realidade, apenas umas poças de lama. 

Quando os elefantes pisavam na lama mole, a depressão da pegada se enchia de água era ali que os animais iam beber.

Os antílopes mostravam-se particularmente ariscos. Aproximavam-se da poça e logo fugiam apavorados. Como não conseguia ver nenhum leão por perto, perguntei ao guia por que eles não bebiam. Sua resposta foi: - Crocodilos.
Eu sabia que ele devia estar brincando e perguntei sério:

- Qual é o problema?
- Crocodilos - voltou a responder.
- Bobagem, - repliquei. - Não há nenhum crocodilo por aí. Qualquer pessoa pode ver isso.

Pensei que ele estivesse se divertindo à minha custa, o pretenso perito em caça africana, e finalmente pedi-lhe que nos dissesse a verdade.

Devo lembrar-vos de que eu não era tão ignorante assim; tinha lido uma porção de livros a respeito da África. Além disso, todo mundo sabe que não se pode esconder um crocodilo numa pegada de elefante.

Percebendo que eu não lhe dava crédito, resolveu, suponho, dar-me uma lição. Dirigiu o carro até outro local onde ficamos sobre um barranco acima da cacimba lamacenta.

- Ali, - apontou. - Veja por si mesmo.

Eu não conseguia ver nada além da lama, um pouquinho d’água, e os animais nervosos à distância. Então, de repente, eu vi! Um enorme crocodilo aninhado na lama, à espera de um incauto animal suficientemente sedento para vir beber.

Subitamente passei a acreditar!

Quando percebeu minha disposição de dar-lhe crédito, ele prosseguiu com a lição:

- Há crocodilos espalhados pelo parque inteiro, - explicou. - são só nos rios. Não temos nenhum bebedouro sem que haja um crocodilo por perto, disso podem estar certos.

O guia foi mais bondoso do que eu merecia. Minha atitude de "sabe-tudo" diante de sua resposta "crocodilos" poderia ter provocado o desafio:

- Bem, então vá lá e veja por si mesmo!

Eu podia ver por mim mesmo que não havia crocodilos. Eu estava tão certo disso, que bem poderia ter saltado só para ver o que havia lá. E tal gesto arrogante poderia ter sido fatal! Ele, porém, teve paciência bastante para me ensinar.

Meus jovens amigos, espero que sejais mais sensatos diante de vossos guias do que eu fui nessa ocasião. Aquele convencimento de pretender saber tudo realmente era indigno de mim, como também não digno de vós. Não me orgulho disso e acho que teria vergonha de falar-vos a respeito, se não fosse como possível ajuda.

Aqueles que vos precederam na vida já experimentaram um pouco as tais cacimbas e levantam a voz da advertência sobre os crocodilos.

Não só quanto aos grandes répteis cinzentos que vos podem fazer em pedaços, como os crocodilos espirituais, infinitamente mais perigosos, ainda mais falsos e menos visíveis que aqueles tão bem camuflados répteis na África.

Esses crocodilos espirituais podem matar ou mutilar vossa alma.

Podem destruir vossa paz de espírito e a paz de espírito daqueles que vos amam. É contra eles que devemos adverti-los. Atualmente, em todo o mundo mortal, dificilmente existirá um bebedouro que não esteja infestado deles.

Noutra viagem pela África, discuti essa experiência com um guarda-florestal de outra reserva. Ele me assegurou que é de fato possível esconder na pegada de um elefante um crocodilo de tamanho suficiente para partir um homem em dois pedaços.

Depois, mostrou-me o local de uma tragédia. Um jovem inglês estava trabalhando no hotel durante a temporada, e a despeito dos constantes e repetidos avisos, ele passou pela cerca do alojamento para verificar algum a coisa do lado oposto de uma poça d’água tão rasa, que não chegava a cobrir seus tênis.

- Ele não tinha dado dois passos na água, - contou o guia, - quando foi pego pelo crocodilo e não pudemos fazer nada para salvá-lo.

Parece contrariar a nossa própria natureza, principalmente quando somos jovens, aceitar muita orientação dos outros. 

Porém, meus amigos, há ocasiões em que, não importa o quanto pensamos saber ou o quanto desejamos fazer uma coisa, nossa própria existência depende de darmos atenção aos nossos guias.

Bem, é horrível pensar naquele moço que foi devorado pelo crocodilo. Mas isto não é, de forma alguma, a pior coisa que pode acontecer. Existem coisas morais e espirituais muito piores do que pensar em ser feito em pedaços por um réptil monstruoso.

Felizmente, existem na vida guias suficientes para impedir que tais coisas aconteçam, desde que estejamos dispostos a, de vez em quando, aceitar um conselho.

Alguns de nós fomos designados a servir de guias e guardas agora, como vós o sereis num futuro próximo. É verdade que não costumamos usar tais títulos. Somos conhecidos pelos títulos de pais - Pai e Mãe - de bispo, líder, supervisor.

Nosso encargo é assegurar que passeis pela mortalidade sem serdes feridos por esses crocodilos espirituais.
Todas as instruções e atividades na Igreja têm com o principal propósito o desejo de ver nossa juventude livre, independente e segura, tanto espiritual como temporalmente.

Se escutardes os conselhos de vossos pais, vossos mestres, vossos líderes enquanto sois jovens, podeis aprender como seguir o melhor guia que existe - o sussurro do Santo Espírito. Isto é revelação pessoal. Há um processo pelo qual somos advertidos em caso de perigo espiritual. Exatamente como fui avisado pelo guia, podeis receber sinais que vos alertem sobre os crocodilos espirituais que estão à espreita.

Se vos pudermos ensinar a escutar essas comunicações espirituais, estareis protegidos desses crocodilos da vida. Podeis aprender como é ser guiado do alto. Essa inspiração pode surgir em todas as vossas atividades, na escola, ao namorar - não só nas designações da Igreja.

Aprendei como orar e como receber resposta para vossas orações.

Quando orardes a respeito de algum a coisa, é preciso esperar pacientemente muito, muito tempo até que venha a resposta. Algumas orações têm que ser respondidas imediatamente para vossa própria segurança, e certos influxos do Espírito virão mesmo sem terdes orado.

Desde que estejais realmente decididos a seguir esse guia, vosso testemunho crescerá, e ao longo do caminho, haveis de encontrar provisões em lugares inesperados, como evidência de que alguém sabia que seguiríeis aquela trilha.

O exercício fundamental durante vossa juventude, para que vos torneis espiritualmente fortes e independentes, reside na obediência a vossos guias. Se os seguirdes e o fizerdes de boa vontade, aprendereis a confiar nesses delicados, sensíveis influxos espirituais. Aprendereis que eles sempre, invariavelmente, vos levarão ao que é certo.

Agora, meus jovens amigos, gostaria de referir-me a outra experiência, da qual me lembro constantemente, mas pouco falo. Não vou contá-la em detalhes, apenas referir-me a ela. Aconteceu há muitos anos, quando talvez não era tão jovem quanto vós agora, e teve a ver com minha decisão de seguir esse guia.

Eu sabia o que era o arbítrio e sabia quão importante é ser independente, ser livre. Sabia de alguma forma que havia uma coisa da qual o Senhor jamais me privaria, e esta era meu livre arbítrio. Não cederia meu arbítrio a nenhum outro ser senão a ele! Decidi dar-lhe a única coisa que ele jamais me tomaria meu arbítrio. Decidi, sozinho, que daquela hora em diante, eu faria as coisas à sua maneira.

Foi uma provação difícil para mim, pois achei estar desistindo da coisa mais preciosa que eu possuía.

Moço ainda, não tinha sabedoria bastante para saber que por ter exercido meu arbítrio e decidido por mim mesmo, eu não o estava perdendo. Estava-o fortalecendo!

Aquela experiência ensinou-me o sentido desta Escritura: 

"Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos;"

"E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." (João 8:31- 32.)

Desde aí, os crocodilos espirituais não me têm feito tanto medo, pois em muitas ocasiões tenho sido alertado sobre onde espreitavam.

Fui mordido uma ou duas vezes, e certa ocasião precisei de primeiros socorros espirituais, mas tenho sido salvo em geral por estar prevenido.

Afortunadamente, existem primeiros socorros espirituais para os que foram mordidos. O bispo da ala é o guia encarregado de prestar os primeiros socorros. Ele está igualmente, em condição, de tratar dos que foram moralmente atacados por tais crocodilos espirituais - e vê-los totalmente recuperados.

Aquela experiência na África foi mais um lembrete para eu seguir o Guia. Eu o sigo, porque quero.

Através da outra experiência, vim a conhecer o Guia. Presto testemunho de que ele vive, que Jesus é o Cristo. Sei que possui um corpo de carne e ossos, que dirige esta Igreja, e que seu propósito é guiar-nos a todos seguramente de volta à sua presença. Em nome de Jesus Cristo.
Amém.