21/10/2020

Nossa Busca da Felicidade


James E. Faust
Segundo Conselheiro na Primeira Presidência
A Liahona - Outubro de 2000 


O Élder David O. McKay disse certa vez: "Só podemos alcançar a felicidade ao trilharmos o caminho espinhoso e estreito, porém retilíneo, que conduz à vida eterna".


Gostaria de discorrer sobre nossa busca da felicidade. Como já vivi bastante, concluí que, como nem sempre desejamos o que é bom, se todos os nossos desejos fossem atendidos, isso não nos traria felicidade. (Ver Alma 41:3—7.) De fato, a satisfação instantânea e irrestrita de todas as nossas vontades seria o caminho mais curto e direto para o infortúnio. As muitas horas que passei escutando as tribulações de homens e mulheres convenceram-me de que tanto a felicidade como a infelicidade dependem em grande parte de nós mesmos.

O Profeta Joseph Smith (1805-1844) ensinou-nos: “A felicidade é o objetivo e propósito de nossa existência e também será o fim, caso trilhemos o caminho que conduz a ela. E essa senda é a virtude, retidão, fidelidade, santidade e obediência a todos os mandamentos de Deus”. (Teachings o f the Prophet Joseph Smith, Joseph Fielding Smith (org) [1976], pp. 255—256)

Quanto mais fiéis formos na observância dos mandamentos, mais felizes tenderemos a ser.

Embora os “homens existam para que tenham alegria” (2 Néfi 2:25), isso não significa que nossa vida terá apenas momentos felizes, “porque é necessário que haja uma oposição em todas as coisas”. (2 Néfi 2:11) A felicidade não nos é concedida num pacote que só precisa ser aberto e consumido. Ninguém jamais será feliz vinte e quatro horas por dia. sete dias por semana, em vez de pensarmos em termos de dias, devemos saborear a felicidade em pequenas porções, aprendendo a reconhecer os elementos que a compõem e depois apreciar esses instantes enquanto durarem.

Christus Consolator, by Carl Heinrich Bloch
Link: https://www.churchofjesuschrist.org/media/image/christ-the-consolator-carl-bloch-1800ee8?lang=eng


Muitas vezes, confunde-se prazer com felicidade, mas de modo algum essas palavras são sinônimas. O poeta Robert Burns (1759-1796) formulou uma excelente definição do prazer nos seguintes versos:

Mas os prazeres são como as papoulas dos campos:
Suas pétalas tombam por terra quando as apanhamos;
Ou como a tenra neve que cai na água corrente:
A princípio, branca, mas logo se derrete para sempre.
Ou como a aurora boreal, bela e multifacetada,
Mas que se transforma antes de plenamente apreciada
Ou como o arco-íris que desponta no céu meridional
Mas se ofusca e esmaece no negro temporal.

(“Tam o’ Shanter”, em The Complete Poetical Works of Robert Bums [1897], p. 91, linhas 59-66)

O prazer, ao contrário da felicidade, é o que nos traz contentamento ou satisfação física. Em geral, é muito efêmero. Como o Élder David O. McKay (1873-1970) ensinou na época em que era membro do Quórum dos Doze Apóstolos: “Pode-se ter esse prazer transitório, sim, mas não alegria, não felicidade. Só podemos alcançar a felicidade ao trilharmos o caminho espinhoso e estreito, porém retilíneo, que conduz à vida eterna”. (Conference Report, outubro de 1919, p. 180)

Todos os dias somos induzidos a buscar prazeres mundanos que poderão desviar-nos do caminho da felicidade. Mas a senda da felicidade verdadeira e duradoura é, citando as palavras do Profeta Joseph Smith, “a virtude, retidão, fidelidade, santidade e obediência a todos os mandamentos”. (Teachings, pp. 255-256) Ralph Waldo Emerson (1803-1882) disse: “A retidão é uma vitória perpétua, celebrada não com manifestações de júbilo, mas de serenidade, que é a alegria contínua ou habitual”. (“Character”, Essays: Second Series [1844])

Obviamente, há uma grande diferença entre se sentir feliz em determinado momento e ser feliz a vida inteira, entre passar momentos agradáveis e levar uma vida boa. A maioria dos norte-americanos considera a busca da felicidade um de seus direitos inalienáveis, conforme definidos pelos primeiros legisladores dos Estados Unidos. No entanto, esse conceito não foi criado por eles; antigos filósofos como Aristóteles, Platão, Sócrates, John Locke, Tomás de Aquino e John Stuart Mill afirmaram que a felicidade é o mais fundamental de todos anseios humanos.

No livro Guerra e Paz, do escritor russo Tolstoy, o personagem Pierre Bezúkhov aprendeu que “o homem foi criado para ser feliz, que a felicidade está dentro dele, na satisfação das simples necessidades humanas, e que todo infortúnio surge não da privação, mas da abundância”. Muitas vezes nos surpreendemos buscando o que é supérfluo. Não nos contentamos com o  que temos e achamos que alcançaremos felicidade se possuirmos mais, adquirimos mais ou formos mais. Procuramos a felicidade, mas seguimos o caminho errado para encontrá-la.

Vou contar a história de Ali Hafed, um homem rico da antiga Pérsia que possuía muitas terras e campos produtivos, pomares e jardins e emprestava dinheiro a juros. Tinha uma bela família e inicialmente se considerava feliz porque era abastado e estava satisfeito com seus muitos bens.

Um velho sacerdote foi até ele e disse-lhe que se ele possuísse um diamante do tamanho de seu polegar, poderia comprar dezenas de fazendas como a sua. Ali Hafed perguntou: “Pode dizer-me onde vou achar diamantes?”

O sacerdote respondeu: “Se encontrar um rio que corre por entre areias brancas, montanhas elevadas, nessas areias brancas sempre achará diamantes”.

Ali Hafed disse: “Eu irei”.

Assim, vendeu a fazenda, recolheu o dinheiro que emprestara, deixou sua família aos cuidados de um vizinho e saiu em busca de diamantes, percorrendo muitas terras da Ásia e Europa. Depois de anos de procura, gastou todo o seu dinheiro e morreu na mais absoluta pobreza.

Enquanto isso, o homem que comprara a propriedade de Ali Hafed certo dia levou seu camelo para beber água no jardim e quando o animal colocou o nariz nas águas rasas, o fazendeiro avistou um brilho singular nas alvas areias do riacho. Abaixou-se e pegou uma pedra negra que tinha belos reflexos. Pouco tempo depois, o mesmo velho sacerdote foi visitar o sucessor de Ali Hafed e descobriu que na rocha negra havia um diamante. Ao correrem até o jardim e revolverem com os dedos a areia branca, encontraram muitas outras pedras belas e preciosas. De acordo com essa história, isso marcou a descoberta das minas de diamantes de Golconda, as mais valiosas do mundo antigo.

Se Ali Hafed houvesse permanecido em casa e escavado seu próprio jardim ou qualquer lugar em suas propriedades em vez de viajar por terras estranhas, onde acabou por passar fome e arruinar-se, teria possuído minas interminá­veis de diamantes. (História baseada no relato de Russell H. Conwell, Acres of Diamoivls [1960], pp. 10-14.)

Sentimos pena ao pensarmos em Ali Hafed vagando errante, sem lar e amigos, cada vez mais longe da felicidade que ele achava que encontraria ao achar diamantes em um lugar distante. Contudo, quantas vezes nós também não buscamos felicidade em um ponto remoto do tempo e do espaço em vez do momento presente, em nosso pró­prio lar, com nossa família e amigos?

O Salvador do mundo ensinou-nos a buscar a paz interior que se harmonize com a felicidade inata de nossa alma. Ele disse: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize”. (João 14:27)

Anos atrás, quando morávamos em São Paulo, Brasil, estavam construindo uma casa ao lado da nossa. Os trabalhadores da obra ganhavam apenas alguns centavos por hora e trabalhavam das seis da manhã às seis da tarde. Contudo, assobiavam e cantavam o dia inteiro. As vezes, era mais do que queríamos ouvir! Mas nunca tive coragem de pedir-lhes que abaixassem o volume.

Alguns anos atrás, entrevistei um homem relativamente jovem que estava sendo chamado como presidente de missão. Ele tivera uma carreira muito bem-sucedida como consultor financeiro. Como ele ainda tinha filhos pequenos, fiquei preocupado a respeito de como ele cuidaria da família quando voltasse do campo missionário. Ele deixou bem claro que não estava interessado em acumular grandes somas de dinheiro. Explicou que trabalhara para pessoas muito ricas e elas não lhe pareciam felizes ou realizadas e estavam sempre preocupadas em ganhar ainda mais.

Essa paz interior mencionada pelo Salvador parece ilusória quando nos preocupamos demais com as coisas que temos ou as que gostaríamos de ter. Em uma época em que estamos tanto obcecados como consumidos pela possessão e aquisição de bens, o conselho de Moisés parece mais necessário do que nunca: “Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi ( . . . ) nem coisa alguma do teu próximo”.
(Êxodo 20:17)

Há alguns anos, uma jovem mãe teve um filho especial que nasceu sem os olhos. Ele era normal em tudo, só não tinha nada que se assemelhasse a olhos ou órbitas acima do nariz. Essa mãe poderia ter dito, amargurada: “Por que isso aconteceu com meu filho?” ou “Por que isso teve que acontecer justo comigo?” Em vez disso, declarou: “O Senhor deve mesmo nos amar e confiar em nós. Fomos verdadeiramente agraciados por ter esse filho. Ao pensar que o Senhor escolheu nosso lar, sabendo de quanto amor e cuidados especiais esse bebê precisaria, sinto-me humilde e consolada. Somos gratos por esse filho especial e pelas bênçãos que trará à nossa casa”.

No livro O Pequeno Príncipe, a raposa demonstrou grande sabedoria ao afirmar: “Agora este é o meu segredo, um segredo muito simples: Só se vê bem com o coração; o essencial é invisível aos olhos”. (Antoine de Saint-Exupéry, O Pequeno Príncipe) A odisseia rumo à felicidade está no plano do coração. Essa jornada está calcada nos degraus do altruísmo, sabedoria, satisfação e fé. O s inimigos do progresso e da realização são coisas com o a insegurança, o baixo amor-próprio, a autocomiseração, a amargura e o desespero. A o substituirmos esses adversários pela fé simples e a humildade, poderemos progredir rapidamente em nossa busca da felicidade. Com o disse o Presidente Spencer W. Kimball (1895-1985), a felicidade tem preço:

‘“Qual o preço da felicidade?’ Ficar-se-ia surpreso com a resposta. A s portas da felicidade estão abertas àqueles que vivem o evangelho de Jesus Cristo em toda sua pureza e simplicidade. Com o um marinheiro sem estrelas, um viajante sem bússola, é a pessoa que caminha pela vida sem nada planejar. A certeza da suprema felicidade, a certeza de uma vida cheia de sucessos nesta existência e de exaltação e vida eterna na outra, advém a todos os que vivem em completa harmonia com o evangelho de Jesus Cristo — e consistentemente seguem o roteiro estabelecido”. (O Milagre do Perdão, 1974, reimpresso em 1999, p. 259)

O orgulho egoísta e a felicidade não podem coexistir. Jacó, irmão de Néfi, declarou que devemos “ [humilhar-nos] profundamente ( . . . ) . A s coisas dos sábios e dos prudentes, porém, ser-lhes-ão ocultas para sempre — sim, aquela felicidade que está preparada para os santos”.
(2 Néfi 9:42-43)

O Senhor, falando por intermédio do rei Benjamim, lembrou-nos: “Quisera que considerásseis o estado aben­çoado e feliz daqueles que guardam os mandamentos de Deus. Pois eis que são abençoados em todas as coisas, tanto materiais como espirituais; e se eles se conservarem fiéis até o fim, serão recebidos no céu, para que assim possam habitar com Deus em um estado de felicidade sem fim". (Mosias 2:41)

Em nossos dias, é comum ouvirmos falar dos direitos que os consumidores têm a produtos “gratuitos, perfeitos e prontos para o uso”, isto é, a um custo baixo, sem defeitos e que possam ser utilizados imediatamente. O problema é que muitos de nós desejam usufruir a felicidade em vez de gerá-la. Shakespeare expressou uma filosofia muito louvável na peça As You Like It (“Como Você Quiser”): “Sou um verdadeiro trabalhador: faço por merecer o pão que como e as roupas que visto; não nutro ódio por ninguém nem invejo a felicidade de outrem; folgo no sucesso alheio” . (Ato 3, cena 2, linhas 65-67.)

Prover nosso próprio sustento nos tornará autossuficientes, mas doar um pouco para ajudar nosso próximo nos trará algo mais. Por exemplo, se transferirmos a energia de três caminhões de combustível para um reator gerador de energia nuclear, ele dará como retorno a energia equivalente à de quatro ou mesmo cinco caminhões de combustível. A felicidade, assim como o gerador de energia, cresce e multiplica-se quando a dividimos com as pessoas.

Percebo que muitos de nós não são ricos. Um homem de poucas posses disse: “Sei que dinheiro não é tudo. Eu, por exemplo, nada tenho”. E outra pessoa fez a seguinte observação: “Até mesmo os livros que ensinam como ser feliz sem dinheiro custam mais do que posso pagar”. (Ambas as citações são de Sam Levenson, You Don’t Have to Be in Who’s Who to Knou> What’s What [1979], p. 185.)

Contudo, a relação entre dinheiro e felicidade é no mínimo questionável. Um autor desconhecido disse: “O dinheiro é algo que se pode usar como passaporte universal para franquear-nos o acesso a todos os lugares com exceção do céu e conceder-nos tudo salvo a felicidade”. Henrik Ibsen (1828-1906) lembrou-nos: “O dinheiro pode comprar o exterior de muitas coisas, mas não a essência. Traz a comida, mas não o apetite; os medicamentos, mas não a saúde; conhecidos, mas não amigos; servos, mas não fidelidade; dias de alegria, mas não paz nem felicidade”.

Um poeta desconhecido escreveu: 

Sucesso é só ter elogios 
Para quem cruzar nosso caminho.
E dar sempre o melhor de nós
E dedicar-nos a cada tarefa com carinho.

E manter silêncio quando as palavras magoariam
E ser polido mesmo quando tratado com grosseria.
E tapar os ouvidos para os mexericos e boatos
E, diante dos infortúnios alheios, ser solidário.

E ser leal ao dever imposto
E valente perante o desastre iminente.
E ser paciente nas horas de enfado e desgosto
E ter uma canção na alma e um coração contente.

E na serena hora da oração,
Na felicidade ou no retrocesso
Em toda a vida e nada menos
Que encontramos o que chamamos de sucesso.

Em suma, nossa busca da felicidade depende primordialmente do grau de retidão que atingirmos, do nível de abnegação que alcançarmos, da quantidade e qualidade do serviço que prestarmos e da paz de espírito que sentirmos. Também temos fontes externas de felicidade, incluindo os entes queridos e os amigos cujos sorrisos e estima tanto significam para nós. Nosso destino está ligado por laços de interesses comuns e solidariedade ao de inúmeras pessoas que nem conhecemos pessoalmente, tanto dentro como fora da Igreja.

Alguns de nós talvez tenham-se desviado do caminho da paz e felicidade por causa da transgressão. De todo o coração, exorto-os a iniciarem o processo necessário para sanar qualquer problema e assim voltarem a ter uma consciência tranquila e serena. Quando verdadeiramente nos arrependemos de nossos pecados, o Senhor promete: “Eu, o Senhor, deles não mais me lembro”. (D&C 58:42)

Permitam-me sugerir mais um requisito nessa contínua busca pela felicidade em todas as horas, dias, meses e anos de nossa vida. O segredo dourado da felicidade consiste em dar amor com desprendimento; o tipo de amor que se preocupa com todas as almas viventes, se interessa por elas e lhes tem algum grau de caridade. O amor é o caminho direto para a felicidade que enriquece e abençoa nossa vida e a de outras pessoas. Significa demonstrar amor até mesmo por nossos inimigos, “ [bendizer] os que [nos] maldizem, [fazer] bem aos que [nos] odeiam, e [orar] pelos que [nos] maltratam e [nos] perseguem”. (Mateus 5:44) Se assim procedermos, estaremos cumprindo o grande mandamento de amar o próprio Deus e desfrutar Seu amor. Estaremos imunes às dificuldades que nos sobrevierem e a tudo que for sórdido, deprimente e amargo.
Temos a promessa: “Todo o vosso corpo se encherá de luz e em vós não haverá trevas; e o corpo que é cheio de luz compreende todas as coisas”. (D&C 88:67)

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